domingo, 1 de janeiro de 2017

O dia em que Deus me deu uma sacola

Já é certo o aguçar de sensibilidade que o mar me provoca. Toda vez que tenho a oportunidade de estar próxima ao mar, eu já me deixo levar pela brisa leve que toma todos meus sentidos. É sempre um convite pra estar só e ouvir. Sentir, ver, absorver. E assim se fez, em um dos últimos dias desse ano tão intenso. Eu caminhei. Andei até onde a melodia dentro de mim me atraía. E ela me levou até o braço de rio que chega ao mar, formando estrias na areia, ondas leves que refletem a luz do sol, piscinas naturais de água salgada. Mar adentro fui, me aproximando do meu chamado. Abri os braços em sinal de rendição ao mistério, respirei fundo, pronta a receber a experiência que estava preparada de antemão para mim. Sorri com a boca e os olhos. Sorri com o coração aberto, escancarado. A comunicação se estabeleceu entre eu e Deus. Entre pai e filha, amado e igreja, criador e criacão. Criou-se daí a voz em forma de oração, e ali ficamos a contar-nos aquilo que sentíamos. Falamos sobre gratidão, sobre medo, desejos, dores, ardores, e a vida continuava linda e desenhada ao redor desse canal melódico que criamos juntos. Dançamos em espírito, flutuava sem sentir os pés, enquanto na presença de meu Rei. Vivemos aquele momento de fato, em toda sua extensão e profundidade, e não existia nada além de nós, nenhuma outra voz. Nos levantamos com os olhos fixos no horizonte, novamente respiramos fundo. Respiramos paz com a alma, e nos deixamos brisar. Nos deixamos brisa. Abraçamos-nos em cumplicidade.

Voltando a caminhar, encontrei uma sacola vazia, metade enterrada na areia. Me abaixei para pegá-la. E peguei. Enquanto caminhava, encontrava outras sacolas, tampinhas, garrafas, embalagens, e ia enchendo minha sacola com o lixo encontrado na areia. A voz logo deu sentido ao que aconteceu de forma tão aparentemente imprevisível, mas na verdade maquinada com tamanho amor. E Deus falou-me novamente sobre acalmar o coração, caminhar e fazer de cada passo a minha missão. Ele cuidaria de tudo, e deixaria sacolas ao longo do caminho, propositalmente, pra me dar a oportunidade de servir, de amar, de cuidar. Do meu próximo, da nossa casa, do nosso coração. Foi dessa forma tão sutil que aprendi mais uma grande lição. Deus trabalha nos detalhes, e se importa com cada um deles. Está ao nosso lado, e valoriza cada aprendizado, cada olhar de compaixão, cada "bom dia" gratuito, cada lavar de louça, cada abraço, cada "está tudo bem" disposto a ouvir, cada gesto de amor, cada desejo do coração, cada lixo jogado no lixo. Sim, Ele se importa! E nossa missão é essa, é hoje, é aqui, fazendo o nosso melhor sempre, expressando o caráter daquele que nos transformou, sem medo, vergonha, orgulho ou vaidade. Apenas com o que nos é dado no momento. Feliz aquele que é fiel desde o pouco. Nisso consiste o amor. Minha sacola cheia e pesada, com a mínima contribuição desse afeto divino, teve destino em um latão de lixo na frente de um bar. E mais um aprendizado se firmou em meu coração, que está transbordante de gratidão desde esse dia tão especial. 💙

Paizão presente sempre!

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